O Kit de Construção de Línguas

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Línguas naturais e não naturais

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Eu pessoalmente gosto de línguas naturalísticas, então as minhas línguas inventadas são cheias de irregularidades, derivações léxicas peculiares e expressões idiomáticas interessantes.

É mais fácil, sem dúvida, criar uma língua "lógica", e é desejável se você quer criar uma interlíngua auxiliar, à moda do Esperanto. O perigo aqui é: a) criar um sistema tão puro, tão abstrato que é também impossível de se aprender; ou b) não notar quando você reproduz algumas contradições existentes nos modelos que você está usando. Pergunte-me sobre as irregularidades do Esperanto algum dia.


Modelos não-ocidentais (ou, ao menos, não portugueses)

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Olhar algumas línguas não-Indo-Européias, como o quéchua (veja a minha introdução ao quéchua aqui no Metaverse), o chinês, o turco, o árabe ou o suáili, pode abrir a sua mente.

Aprenda outras línguas, se você puder. Se as línguas são difíceis para você, apenas vasculhe uma gramática procurando idéias legais para roubar. O livro The World's Major Languages, de Bernard Comrie, contém descrições robustas de cinqüenta línguas. O livro An Introduction to the Languages of the World, de Anatole Lyovin, estuda de modo facilmente legível todas as famílias lingüísticas do mundo, destacando pontos úteis aos turistas e dando esboços mais detalhados de algumas línguais importantes que Comrie pula.

Se você não conhece bem outra língua, é provável que você vá produzir clones do português. Olhando outras gramáticas (ou esta página HTML) pode ajudar você a evitar a duplicação da gramática portuguesa, e dar a você algumas idéias boas para tentar; mas a dificuldade real é o léxico. Se tudo o que você conhece é o português, você tenderá a duplicar a estrutura e as expressões idiomáticas do vocabulário inglês. Abaixo eu darei a você algumas dicas para minimizar o problema.


Sons

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Não-lingüistas vão quase sempre começar com o alfabeto e adicionar alguns apóstrofos e sinais diacríticos. Os resultados tendem a ser algo que parece muito com o português, tem muito mais sons do que o necessário, e que nem o autor consegue pronunciar.

Você terá melhores resultados quanto mais conhecer sobre fonética (o estudo dos sons possíveis da linguagem) e fonologia (como esses sons são usados em uma língua específica). Referências úteis são A Practical Introduction to Phonetics, de J. C. Catford (excelente para estudar em casa), e Phonology, de Roger Lass. Abaixo está uma rápida introdução.


Tipos de consoantes

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As consoantes são formadas obstruindo-se a passagem do ar dos pulmões. Numa primeira abordagem, as consoantes variam nessas dimensões:

As consoantes portuguesas podem ser organizadas no quadro seguinte:


              bilab  lab-dnt  lng-dnt  alv  palatais velares

oclusivas      p b              t d                    k g     

fricativas             f v             s z    ch j     

vibrantes                                r               R

laterais                                 l      lh   

nasais           m                n             nh


Às vezes o mesmo som em uma língua toma diferentes formas baseadas na sua posição na palavra. Por exemplo, o p inglês é aspirado no início de uma palavra, mas não-aspirado em outros lugares; ou ainda, o m inglês é normalmente labial, mas é labiodental antes de um f (compare schematic, emphatic).

Os lingüistas chamam os sons básicos de uma língua, aqueles que podem distinguir uma palavra de outra, fonemas, e os verdadeiros sons como se pronunciam, fonos. Eles diriam que o inglês tem um fonema /p/ que tem duas facetas fonéticas ou alófonas: [ph] aspirado e [p] não-aspirado.


Inventando consoantes

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Você notará que a tabela de consoantes portuguesas tem lacunas. Será que isso significa que você pode inventar novos sons para encher os espaços? Sim, claro.

Por exemplo, o português tem nasais sonoras; a sua língua poderia ter nasais surdas. O português tem uma oclusiva velar mas não uma fricativa velar. O alemão tem uma (o ch em Bach); algumas línguas têm duas, uma sonora e uma surda. O alemão também tem uma africada labial, pf.

Ainda mais excitante é adicionar séries inteiras de consoantes usando contrastes não usados em inglês, como palatalização e aspiração. Ou remover uma série que o inglês tem. O quéchua de Cuzco, por exemplo, tem três séries de oclusivas: aspiradas, não aspiradas e glotalizadas, mas não distingue consoantes surdas e sonoras.

O segredo para uma língua naturalística é, na verdade, adicionar (ou subtrair) dimensões inteiras. É concebível que uma língua tenha uma única consoante glotal,   mas é mais provável que ela tenha uma série delas (ao longo dos pontos de articulação: p' t' k'). Uma língua poderia ter apenas duas consantes palatalizadas (o espanhol tem: ll, ñ), mas é mais típico uma que tenha uma série inteira delas.

Você também pode adicionar pontos de articulação. Por exemplo, enquanto o inglês tem três séries de oclusivas, o hindi tem cinco (labiais, dentais, retroflexas, alveolo-palatais e velares. Consoantes retroflexas consistem numa pequena curva da língua para trás) e o árabe tem seis (bilabiais, dentais, "enfáticas" [não me pergunte], velares, uvulares e glotais).

Algumas consoantes são mais comuns que outras. Por exemplo, virtualmente todas as línguas têm as oclusivas simples p t k. O livro de Lass dá exemplos; veja também The Cambridge Encyclopedia of Language, de David Crystal, p. 165.


Vogais

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Os aspectos mais importantes das vogais são altura e frontalidade.

Você pode organizar as vogais numa tabela de acordo com essas duas dimensões. A base da tabela é normalmente desenhado mais curto porque não há tanto espaço para a língua se mexer como se a boca estivesse mais aberta aberta.

  Vowel diagram

Para sentir tais distinções, pronuncie as palavras no diagrama, de cima para baixo ou de lado a lado, notando onde a sua língua está e quão perto ela está do céu da boca.

As vogais podem variar em outras dimensões também:

O inglês (exemplo seguinte) tem um sistema vocálico mais ou menos complicado:


                  --fracas--              --fortes--

                ant---------post        ant--------post

altas           pit          put        peat       poot

médias          pet         putt        pate       boat

baixas          pat          pot        father   bought


Sistemas simples e interessantes incluem o do quéchua (três vogais, i u a) e do espanhol (cinco: i e a o u). Sistemas vocálicos simples tendem a espalhar-se; o i quéchua, por exemplo, pode soar como o inglês pit, peat ou pet. Os fonemas e, o espanhóis têm dois alófonos cada: aberto (como em café, avó) em sílabas que terminam em consoante, fechado (as in pate, pot) em outros lugares.

Novamente, para a sua língua inventada, não adicione apenas uma ou duas vogais exóticas; tente inventar um sistema vocálico, usando as dimensões acima listadas. Por exemplo, começando do sistema inglês, você poderia eliminar a distinção fortes/fracas, adicionar arredondamento e então eliminar as vogais anteriores e posteriores (há quase sempre mais vogais altas do que baixas).


Acento tônico

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Não se esqueça de criar regras de tonicidade. O inglês tem tonicidade imprevisível, e se você não pensar nisso a sua língua inventada acabará funcionando assim também.

O francês (levemente) acentua a última sílaba. O polonês e o quéchua sempre acentuam a penúltima sílaba. O latim tem uma regra mais complexa: acentuar a penúltima sílaba, a menos que as duas últimas sílabas sejam curtas e não sejam separadas por duas consoantes.

Se a regra for absolutamente regular, não é necessário indicar o acento ortograficamente. Se for irregular, porém, considere indicá-lo explicitamente, como em espanhol: corazón, porqué.

Em inglês, as vogais são reduzidas para formas mais neutras ou centralizadas quando átonas. Esta é uma grande razão (ainda que não a única) pela qual a ortografia inglesa é tão difícil.


Tom

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As sílabas do chinês mandarim têm quatro tons, ou contornos de entonação: nível alto, aumento, queda baixa e queda alta (Para zhongguórén: Não, eu não descrevi o terceiro tom erroneamente - pense nisso). Esses tons são parte da palavra, e podem ser usados para distinguir palavras de diferentes significados: ma "mãe", "erva", "cavalo", "maldição". O cantonês e o vietnamês têm seis tons. (O primeiro tom deveria ter uma linha reta sobre a vogal, e o circunflexo sobre o terceiro tom deveria ser invertido, mas isso é o melhor que eu posso fazer em HTML, e é melhor que pôr números.)

Se parece muito elaborado, considere um acento de tom, como o que eu usei em outra língua inventada, o Cuêzi: o acento tônico de uma palavra pode ser alto ou baixo em tom. O japonês e o antigo grego são línguas com acento de tom.

No japonês (padrão), as sílabas podem ser altas ou baixas em tom; cada palavra tem uma "melodia" particular ou seqüência de sílabas altas e baixas -- ex.: ikebana "arranjo de flores" tem a melodia BABB; sashimi "peixe cru" tem BAA; kokoro "coração" tem BAB. É como se um tom tivesse que ser lembrado para cada sílaba; mas não vem a ser o caso. Tudo o que se precisa aprender para cada palavra é a localização do "acento", a principal variação de intensidade. Aí é só aplicar estas três regras:

Assim, para ike'bana temos AAAA, depois AABB, e então BABB.


Restrições fonológicas

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Toda língua tem uma série de restrições em que palavras são possíveis de ocorrer na língua. Por exemplo, os falantes de inglês sabem que palavras como blick e drass são possíveis, apesar de não existirem, mas vlim e mtar não poderiam ser possíveis em inglês.

Elaborando as restrições fonológicas para sua língua, você lhe dará pouco a pouco o seu sabor peculiar.

Comece com um padrão de sílabas diferente. Por exemplo:

Tente generalizar suas restrições. Por exemplo, m + t é ilegal no início de uma palavra em inglês. Poderíamos generalizar isso para [nasal] + [oclusiva]. A regra contra v + l generaliza ao menos para [fricativa sonora] + [lateral].

Outro processo para se conhecer é a assimilação. Alguns encontros consonantais tendem a assimilar-se para o mesmo ponto de articulação. É por isso que encontramos, em latim, in- + -port = import, ad + simil- = assimil-. É por isso que o plural -s, em inglês, soa como z depois de uma oclusiva sonora, como em dogs ou moms. É por isso que a palavra klomter, de Larry Niven em The Integral Trees, soa tão falso. m + t (embora não impossível) é difícil, já que os sons ocorrem em pontos de articulação diferentes; ambos os sons tendem a mover-se para a posição dental (klonder) ou labial (klomper). Outra ocorrência possível é a inserção de um som foneticamente intermediário: klompter.


Bocas alienígenas

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Se você está inventando um língua para alienígenas, você provavelmente irá querer dar-lhes sons realmente diferentes (se eles possuírem fala, é claro). A solução dos quadrinhos Marvel é jogar um monte de apóstrofos: "Esta é a Imperatriz Nx'id"ar do planeta Bla'no'no!". Larry Niven apenas viola as restrições fonológicas do inglês: tnuctipun. Mas podemos fazer melhor.

Pense no formato da boca dos seus alienígenas. Ela é longa? Isso sugere mais alguns pontos de articulação. Talvez o próprio fluxo de ar funcione diferentemente; talvez eles não tenham nariz, e portanto não possam produzir nasais; ou talvez não possam parar de expirar conforme falam, de modo que todas as suas vogais se tornam nasais; ainda, talvez a expiração ocorra numa velocidade maior, produzindo sons de alta intensidade e consoantes talvez mais enfáticas. Ou talvez a sua anatomia permita alguns cliques estranhos, estalos e estampidos que tenham virado fonemas em suas línguas.

Vários escritores criaram criaturas com dois aparelhos fonadores, permitindo-lhes pronunciar dois sons de uma vez ou sincronizando-os em uma dupla harmonia.

E que tal os sons ou sílabas que variam em cor tonal? Os significados poderiam ser distintos conforme a voz soasse: como um trombone, um violino, um trompete ou um violão.

Sugerir sons adicionais é difícil e talvez cansativo para o leitor; um ambiente alienígena pode também ser criado para remover dimensões fonéticas inteiras. Um alienígena poderia não conseguir produzir sons sonoros (assi ele soa u pouco copo um Cherman) ou, na falta de lábios, poderia pular as labiais (rocê derre razer isso rara ser u rentríloco, tanréi).


Alfabetos

Ortografia

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Uma vez que você já tenha os sons da sua língua, você irá querer criar uma ortografia -- isto é, um modo padrão de representar tais sons no alfabeto romano.

Eu não recomendo a você ser muito criativo aqui. Por exemplo, você poderia representar a e i o u como ö é ee aw ù, com os assentos invertidos no final da palavra. Uma ortografia extravagante é provavelmente uma tentativa de tornar esquisito um sistema fonético que não se afasta muito do português. Trabalhe nos sons, e depois ache um meio de escrevê-los de um modo fiel.

Se você está inventando uma língua para um mundo fantasioso, é bom que você se dê conta de como os leitores lusófonos vão desfigurar as suas belas palavras. Tolkien é o modelo aqui: ele escrevia Quenya como se fosse latim, não introduziu ortografias difíceis e gentilmente indicou que os e's finais deveriam ser pronunciados. Ainda, ele não resistia a afirmar que c e g eram sempre duros (nem eu, no Verduriano), o que provavelmente vem mostrar que vários desses nomes (ex.: Celeborn) são comumente mal pronunciados.

Marc Okrand, inventando o Klingon, teve a inteligente idéia de usar letras maiúsculas e minúsculas com diferentes valores fonéticos. Isso tem a vantagem de dobrar as letras disponíveis sem usar diacríticos, mas não é muito estético e com certeza sobrecarrega a memória.

Ou então você pode ir por simplicidade, como eu fiz inventando o Verduriano. Eu não gosto de dígrafos, então adaptei a ortografia tcheca -- ch para ch, sh para sh, etc. Isso acabou envolvendo a criação de uma fonte Macintosh especial, então eu provavelmente era louco (Note, entretanto, que fontes para línguas européias não-ocidentais são abundantes hoje em dia).

Um senso de variação entre as nações do seu mundo pode ser alcançada usando-se diferentes estilos de transliteração para cada uma. No meu mundo fantasioso, por exemplo, o Verduriano dharcaln e o Barakhinei Dhârkalen não são pronunciados muito diferentemente, mas as ortografias diferentes dão a cada um um "aroma" diferente. Com certeza você preferiria visitar a civilizada dharcaln do que a escura e taciturna Dhârkalen? (Peguei você. É o mesmo lugar.)

Se você está inventando uma interlíngua, é claro, você não se preocupará muito com as convenções do inglês; crie a mais fiel romanização que você puder. Você estará procurando confusão, entretanto, se você inventar novas marcas diacríticas, como o inventor do Esperanto fez.


Um exemplo

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Aqui está o alfabeto que eu criei para o Verduriano:

Note que há uma correspondência perfeita entre o alfabeto verduriano e a representação padrão inglesa. Isso não é muito naturalístico -- esquemas de transliteração não são tão precisos -- mas é um bom lugar onde começar. Uma vez que você possa ler fluentemente seu próprio alfabeto, sinta-se à vontade para complicar.

Um bom alfabeto não pode ser criado em um dia. Esse tomou forma em algumas semanas, enquanto eu testava várias formas para as letras.

Faça com que as letras sejam diferentes. Os melhores alfabetos se espalham no espaço gráfico conceitual de modo que as letras não se confundam entre si. Tolkien é um mau exemplo aqui: os elfos deveriam ser atormentados por dislexia. Se as letras começam a aproximar-se umas das outras demais, os usuários encontram formas de distingui-las, assim como programadores escrevem o zero com um risco. Os europeus escrevem 1 com um risco introdutório elaborado, impossível de confundir com I, mas parecendo com um 7, que adquiriu portanto um risco horizontal!

Lembre-se que as letras são escritas várias vezes na vida de um indivíduo ou de uma civilização. Letras elaboradas tendem a ser simplificadas. Você pode simular esse processo escrevendo a letra várias vezes você mesmo; as simplificações apropriadas vão se sugerir automaticamente.

Note que eu criei formas maiúsculas e minúsculas, como nos alfabetos grego e romano. As letras minúsculas são simplificações cursivas das formas maiúsculas (que são também formas antigas). Olhando para trás, eu provavelmente não deveria ter imitado o sistema misto maiúsculas-minúsculas, que no nosso mundo é basicamente limitado aos alfabetos ocidentais. Eu deveria ter mantido a forma maiúscula para os tempos antigos e a forma minúscula para os tempos modernos.

Eu tentei dar às letras histórias individuais, como no nosso alfabeto. A letra t, por exemplo, deriva da figura de um pote, touresiu em Cuêzi; o n era originalmente a figura de um pé (nega). Eu tenho que admitir que eu fiz isso de trás para a frente -- eu inventei pictogramas que poderiam ter-se desenvolvido como letras, as quais eu tinha elaborado anos antes!

Note também que as consoantes sonoras maiúsculas são simplesmente as formas surdas com uma barra sobre elas (isso é um pouco dissimulado com d e t), e as letras para sh ch zh são todas claras variações uma da outra. Isso viola um pouco a minha regra da "máxima distinção", mas eu acho que dá interesse ao alfabeto.

Você tambén notará tanto c quanto k no alfabeto. É o tipo de etnocentrismo no qual é fácil de cair. Por que outra língua duplicaria a história problemática do c e do k do nosso alfabeto? Eu reinterpretei esses símbolos como referindo-se a /k/ e /q/.


Diacríticos

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Um conselho: nunca use uma marca diacrítica sem dar-lhe um significado específico, especialmente um que ela retém em todos os seus usos. Eu cometi esse erro em Verduriano: eu usei ö e ü como em alemão, mas ë mais ou menos como em russo (indicando a palatalização da consoante anterior) e ä como uma simples duplicata de a. Eu fui mais esperto em Cuêzi: o circunflexo indica sempre um acento de intensidade baixa.

Evite usar apóstrofos apenas para fazer as palavras parecerem estrangeiras ou alienígenas. Como apóstrofos são usados de modos contraditórios (eles representam a oclusiva glotal em russo, aspiração ou o fim de uma sílaba em chinês e sons omitidos em inglês, francês e italiano), eles acabam por não sugerir nada ao leitor.


Sistemas de escrita mais fantasiosos

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O que, você diz que quer construir um silabário? Uma forma cursiva do seu alfabeto? Um sistema logográfico?

Leia um bom livro sobre como os sistemas de escritas funcionam. Writing Systems, de Geoffrey Sampson, é um ótimo livro.

Se parece muito, leia sobre o tipo de sistema de escrita que você quer imitar: caracteres chineses, o silabário japonês ou o maia, o alfabeto silábico do sânscrito, o código característico do coreano, o alfabeto totalmente cursivo do árabe, e assim por diante.

Um livro como Languages of the World, de Kenneth Katzer, dá exemplos de uma vasta gama de escritas. The World's Major Languages, de Comrie, faz o mesmo, mas detalha mais. Ou invista no gorila da área, The World's Writing Systems, de Daniels & Bright, que custa 800 libras (!) e explica como todos os sistemas de escrita no mundo funcionam.

Note que silabários logográficos tendem a funcionar melhor com línguas que têm uma estrutura silábica muito limitada -- o japonês, com (C)V(n), é perto do ideal; o inglês é perto do indesejável.


Construção de palavras

Quantas palavras são necessárias?

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Onde a vaca das conlangs vai, até o boi da Fala Rápida com certeza vai atrás. Deixe que Robert Heinlein explique:

Há tempos, Ogden e Richards tinham mostrado que oitocentas e cinqüenta palavras eram vocabulário suficiente para exprimir qualquer coisa que pudesse ser expressa por vocabulários humanos "normais", com a ajuda de um punhado de palavras especiais -- cento e poucas -- para cada campo específico, como corridas de cavalos ou balística. Quase os mesmos fonéticos tinham analisado todas as línguas humanas em cento e poucos sons, representados pelas letras de um alfabeto fonético geral.
... Um símbolo fonético era equivalente a uma palavra inteira em uma língua "normal", uma palavra da Fala Rápida era igual a uma frase inteira.
--"Gulf", em Assignment in Eternity, 1953

Isso é uma idéia tentadora, porque promete poupar-nos um bom trabalho. Por que inventar milhares de palavras se cem bastam?

A infeliz verdade é que Ogden e Richards trapacearam. Eles conseguiam reduzir o vocabulário do Inglês Básico demais aproveitando-se da substituição de expressões idiomáticas como ir mal por fracassar (em inglês, claro). Isso pode poupar uma palavra, mas ainda é um elemento léxico que precisa ser aprendido como uma unidade, não importando as suas partes componentes. E ainda, o processo inteiro era altamente irregular (Ir bem não quer dizer prosperar).

A idéia da Fala Rápida pode parecer algo que se baseia em informações como a de que 80% de um texto em inglês fazer uso das 3000 palavras mais freqüentes, e 50% faz uso de apenas 100 delas. Entretanto (como o lingüista Henry Kuchera mostra), há uma relação inversa entre freqüência e conteúdo informativo: as palavras mais freqüentes são funcionais (preposições, partículas, conjunções, pronomes), que não contribuem muito para o significado (e, na verdade, podem ser eliminadas completamente, como nas manchetes de jornais), enquanto que as palavras menos freqüentes são importantes palavras com conteúdo. Não é muito vantajoso entender 80% das palavras em uma frase se os 20% restantes são os mais importantes para entender o seu sentido.

O outro problema é que redundância não é um defeito, é uma característica. Claude Shannon mostrou que o conteúdo informativo dos textos ingleses era mais ou menos de um bit por letra -- não tão alto, considerando que para os textos em geral é de mais ou menos cinco bits por letra. Parece ineficiente, não é? Por outro lado, na verdade não ouvimos todos os sons (ou, se somos leitores perfeitos, lemos todas as letras) numa palavra. Nós usamos a redundância intrínseca das línguas para entender, de algum modo, o que é dito.

Em outras "palavras": vc pd ntndr m txt prtgs sm s vgs, ou em sotaques diferentes, ou numa ruidosa linha telefônica. A fala rápida, distorcida desse jeito, seria impossível de ser entendida, já que morfemas inteiros estariam faltando ou corruptos. Muito provavelmente o grau de redundância das línguas humanas é precisamente calibrado para o mínimo nível de informação necessária, mesmo com os níveis de distorção típicos.

No entanto, vá em frente e brinque com a idéia da Fala Rápida. É bom para algumas horas de diversão trabalhar com a menor quantidade de sons que você puder; e o hábito da paráfrase que ela dá é muito útil na criação de línguas. Apenas não leve muito a sério; se você o fizer, sua punição será aprender 850 palavras de qualquer língua estrangeira atual e instalar-se numa cidade de falantes monolíngües dessa língua.


Línguas estranhas ou a priori

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Se você está fazendo uma língua para um mundo diferente, você com certeza quer palavras que não soem como nenhuma língua existente. Para isso, você apenas precisa criar palavras que usam os sons e a estrutura de sílaba da sua língua.

Isso pode rapidamente tornar-se cansativo. Eu não aconselho você a sentar e criar cem palavras de uma vez; você poderá perder a inspiração, ou achar que todas as palavras estão começando a soar iguais. Você também acabará por criar novos radicais, sendo que você poderia, mais facilmente, derivar a palavra de radicais existentes.

Não é difícil criar programas de computador que geram palavras aleatoriamente para a sua língua (até respeitando a sua estrutura de sílabas). Se você o fizer, lembre-se de que os sons (e estruturas de sílabas) não são equacionadamente distribuídos nas línguas naturais. O inglês usa mais tês que efes, e mais efes que zês.

Resista à tentação de dar um significado a todas as sílabas possíveis. Línguas reais não funcionam assim (a menos que o número de possibilidades seja muito baixo). Mesmo se você estiver trabalhando numa língua auxiliar altamente estrutural, você irá querer um espaço de "manobras" para uma expansão futura. E os falantes da sua língua não deveriam ter que jogar fora uma velha palavra sempre que quisessem criar um neologismo ou uma abreviação.

Você irá querer uma mistura de comprimentos de palavras por variedade; mas não invente palavras muito compridas. É melhor derivar palavras longas combinando palavras mais curtas, ou adicionando sufixos. Ou ainda, imitando o modo como o português é cheio de empréstimos polissilábicos do grego e do latim, ou o modo como o japonês é cheio de empréstimos chineses, crie duas línguas, e construa palavras em uma que sejam componentes na outra.


Alguns empréstimos um pouco perceptíveis

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Eu quis que o Verduriano parecesse levemente familiar, como se pudesse ser um parente distante das línguas européias. Por exemplo:

Sul Adh e otál mudray dy tü, dalu esë, er ya cechel rho sen e sënul.
Somente Deus é tão sábio quanto vós, meu rei, e mesmo disso eu não estou certo.

So cuon er so ailuro eu druki. Cuon ride she shlushir misotém ailurei. So ailuro e arashó rizuec.
O cão e o gato são amigos. O cão ri das piadas do gato. O gato é muito engraçado.

Para alcançar essa impressão, eu tomei empréstimos de algumas línguas terrestres -- ex.: ailuro "gato" e cuon "cão" são adaptados do grego; sul "somente" do francês; rizir "divertir" e ya "realmente" do espanhol; druk "amigo" e shlushir "ouvir" do russo. A ortografia agradável e a simples estrutura silábica (C)(C)V(C) também ajudam a tornar a língua convidativa.

Ao contrário, outra língua, o Xurnásh, foi planejado para parecer mais estranho:

Ir nevu jadzies mnoshudacij. Toc shizen ri tos bunjachi shasik rili. Tos denjic shush bunji dis kezi. Syu shacho cu shush izraugi.
Minha sobrinha está namorando um escultor. Ela não vê defeitos nele. Ele espera um dia governar uma província. Eu pessoalmente não invejo essa província.


Línguas baseadas em línguas existentes

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Interlínguas normalmente se baseiam em línguas existentes; por exemplo, o esperanto é baseado principalmente no francês, no italiano, no alemão e no inglês. Aqui o problema de criar palavras se reduz ao de comprar bons dicionários.

Alguns criadores de línguas tentaram abordar o processo sistematicamente -- ex.: Interlíngua é baseada em nove línguas, e quase sempre adota a palavra achada na maioria delas.

O Lojban usa uma variedade maior de línguas, incluindo algumas não-ocidentais, e usa um algoritmo estatístico para produzir uma forma intermediária. A intenção é criar ajuda mnemônica para uma vasta gama de falantes. É uma idéia intrigante, embora a sua execução seja tão sutil que a língua é quase sempre confundida com uma a priori, ou estranha.


Simbolismo sonoro

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Alguns lingüistas reclamam ter achado alguns padrões comuns de significado entre as línguas humanas. Por exemplo, diz-se que vogais anteriores (i, e) sugerem miudeza, maciez ou intensidade alta e que vogais altas e posteriores (a, u, o) sugerem grandeza, sonoridade ou intensidade baixa. Compare as palavras inglesas itty-bitty, whisper, tinkle, twitter, beep, screech, chirp com humongous, shout, gong, clatter, crash, bam, growl, rumble; ou o espanhol mujercita "mulherzinha" com mujerona "mulherona". Cecil Adams aproveitou esse padrão quando ele comentou, no tema da cirurgia de aumento do pênis, que "se a natureza equipou você com um pipizinho ao invés de um pipizão, então não resta alternativa senão viver com ele".

Exceções não são difíceis de achar, é claro -- notavelmente o inglês small "pequeno" e big "grande".

Ao inventar línguas estranhas, os autores também simplesmente fazem uso do que poderíamos chamar estereótipos fonéticos. O Orkish de Tolkien, por exemplo, faz grande uso de sons guturais e é cheio de consoantes, enquanto as línguas dos elfos são mais vocálicas, e parecem ter muitos sons "agradáveis" como eles e erres.


Algumas dicas para não reinventar o vocabulário português

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